Assunto foi o principal tema em evento de lideranças do transporte rodoviário de cargas. Empresas estão preocupadas com eventuais prejuízos mas não apresentaram solução para reduzir o uso de drogas
No Brasil, 3,4 milhões de motoristas profissionais das categorias C, D e E estão com situação irregular por não terem realizado exame toxicológico, que foi regulamentado e passou a ser exigido a partir deste mês sob pena de multa.
O levantamento é da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e foi feito em abril deste ano. O assunto virou pauta principal em um dos maiores road shows do setor de transporte rodoviário de cargas de São Paulo, o Experience Day.
Organizado pela Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de São Paulo (Fetcesp), pelo Sest/Senat Sorocaba e pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de Sorocaba e Região (Setcarso), o evento mobilizou lideranças da categoria e apontou como necessidade do momento a propagação das novas regras sobre o exame toxicológico para evitar que motoristas sofram sanções em operações de fiscalização nas rodovias por desinformação.
Conforme o artigo 165-D do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), desde 1º de maio, a falta de renovação do exame toxicológico, em até 30 dias após o vencimento, é considerada infração gravíssima e com pena multa no valor de R$1.467,35, bem como sete pontos na CNH.
A cobrança da multa, inclusive, é automática, ou seja, realizada via sistemas eletrônicos dos Departamentos de Trânsito estaduais (Detrans), mesmo que o condutor não esteja dirigindo.
Diante de nova regulamentação pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e de portaria do Ministério do Trabalho, a lei foi alterada e a regularidade do exame passou a ser exigida a cada 2 anos e 6 meses, e não só mais em admissões e demissões. O custo do exame é de responsabilidade das empresas de transportes, segundo a lei.
O teste é feito a partir de amostras de pelos, cabelo ou unhas e detecta a presença de substâncias como maconha, cocaína, crack, anfetaminas e metanfetaminas no organismo, no período de 90 dias.
Preocupação com prejuízos mas sem propostas para reduzir exploração dos motoristas
A alteração foi vista como positiva pelas entidades de classe por significar mais segurança nas estradas, porém, a falta de cumprimento tem preocupado o setor.
“Antigamente, o número de acidentes era elevadíssimo e, hoje, já notamos uma queda de 37% nessas ocorrências nas rodovias envolvendo caminhões como reflexo de normas. Contudo, é preciso que todos estejam atentos às alterações e prazos da lei, pois nosso receio é que haja uma chuva de multas para um setor que já sofre com defasagem grande de motoristas em todo Brasil, hoje na ordem de 32%“, pontua Carlos Panzan, presidente da Fetcesp e do Conselho Regional do Sest/Senat São Paulo.
O alerta é reforçado pelo assessor jurídico da Fetcesp, Narciso Figueirôa, que palestrou sobre o assunto durante o Experience Day.
“3,4 milhões de motoristas irregulares em razão da falta do exame toxicológico são números que nos deixam assustados, porque a multa aplicada é automática após os 30 dias de vencimento do exame. E os custos da punição são elevados, podendo ser 5 vezes maior se o condutor for flagrado dirigindo com o exame vencido, no período de 12 meses, e pode chegar a até 10 vezes mais em caso de reincidência“, destaca Figueirôa.
Presidente do Setcarso, José Raimundo ressaltou a necessidade de difundir mais as informações sobre a nova exigência e lamentou a alta taxa de descumprimento da nova lei.
“Quem acaba pagando essa multa, muitas vezes, são as empresas do setor, porque o trabalhador não consegue tirar uma multa desse valor do seu próprio salário. Sou a favor de uma mobilização da categoria no sentido de tentar, ao menos, estender o prazo de aplicação dessa penalidade“, defende o sindicalista.
Entidades não falaram sobre a exploração dos motoristas que causa uso de drogas
Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, que foi ouvido pelo Estradas.com.br, mas não participou do evento, há sinais preocupantes nas manifestações das entidades do setor.
“Não vi nenhuma manifestação sobre a exploração dos motoristas, principal causa do uso de drogas. O que os representantes do setor deveriam fazer é combater as empresas que não respeitam a jornada do motorista, contribuindo para a concorrência desleal e redução do valor do frete. São os maus transportadores e maus embarcadores que não respeitam o ser humano, o tempo de descanso, e pressionam o caminhoneiro a chegar ao destino em condições de tempo que somente com excesso de velocidade ele consegue cumprir“, afirma Rizzotto.
Ele lembra ainda alguns episódios recentes apurados pelo Estradas.com.br envolvendo um motorista de uma grande transportadora que provavelmente morreu por overdose de cocaína, estava em excesso de jornada e chegou a dirigir a 150 km/h com carga de 58 toneladas.
Em outro caso, um motorista transportando encomendas para uma multinacional foi flagrado pela PRF dirigindo há mais de 20 horas sem parar e usando drogas. Este também trabalhava para uma grande transportadora.
“São centenas de casos mensalmente de motoristas autuados por excesso de jornada, usando drogas para se manterem acordados, em alguns casos matando em tragédias evitáveis, e na hora da condenação criminal e civil, somente o motorista é responsabilizado. Seria interessante que num evento desses fossem chamadas representantes de vítimas dos sinistros com caminhões, inclusive familiares dos caminhoneiros. Mas não creio que queiram fazer um “Experience Day” contando as mortes causadas por exploração dos motoristas“, acrescenta Rizzotto, que também é fundador de entidade de vítimas.
Fonte: https://estradas.com.br/brasil-registra-34-milhoes-de-motoristas-sem-exame-toxicologico/